A poesia fala demais. Tem a língua maior que a boca. E só não dá com ela nos dentes porque não tem mais dentes. A poesia é velha, caquética, senil. Do jeito que é dada a devaneios, a poesia ficaria melhor internada num asilo. De camisola, chinela e fraldão. Recebendo esporádicas visitas.
A minha, não.
A poesia é falsa. Uma megera magra, fingida, elitista. Que vive rodeada de rima ricas. A poesia dá muito palpite.
O amor começou.
O amor permanece.
O amor acabou.
Só tem um problema: ninguém perguntou.
A poesia ilude, enrola, não fala na cara. É uma esposa infeliz.
Quer romper, mas não tem coragem de dizer. A poesia é medrosa. Aponta para um lado e sai correndo para o outro.
É um disfarce. Diz, à vontade, todo tipo de bobagem.
Qualquer coisa, foi o eu-lírico.
A poesia é um cisco. Incomoda só de olhar. TOda torda, toda turve, toda turra. A poesia é burra. Não consegue completar nem uma linha. É deficiente, capenga, carente.
A poesia ignora as margens da página como um aleijado ignora as margens do corpo.
A poesia é um vaso empoeirado. Grego ou chinês. Que só combina com a decoração na forma de cacos espalhados pelo chão.
falta assepsia na poesia. Falta esterelizar a poesia. Passar álcool, desinfetar. A poesia é nojenta, é rude, um arroto. Vem de dentro, vem das vísceras. É excretada por meio de perdigotos declamados.
A poesia contamina.
O rigor, a métrica, a sílaba. Feita na medida para aborrecer.
A poesia é uma prece, um pranto. Uma pinga barata que embriaga e faz de todos um poeta.
Uma, duas, três doses.
E a poesia derrama.
E a poesia transborda.
E a poesia escorre.
Cada verso, uma talagada.
A poesia é um porre.