Sylvia de Mello Baptista
Segredos são como gás tóxico, invisivelmente destrutivos. Entram pelas
narinas, invadem brônquios, circulam pelas artérias, depositam-se em fundos,
paredes, interstícios. Ali ficam, perigosamente silenciosos. Imóveis, mas
ativos. Agentes e reagentes aos movimentos peristálticos. Quando não podem ser
contidos, boca serrada, selada com fita adesiva, transparentes deixam-se vazar
inadvertidamente pelos orifícios menos nobres, como flatos podres e fétidos,
denunciando sua sobrevivência em território tão adverso, espaço diminuto. Não
ocupam lugar. Qualquer canto os cabe. Depois de acomodados, aí sim crescem e se
expandem, tomam e inundam, competem com líquidos e linfas. Reproduzem-se no
escuro; apreciam o breu; aconchegam-se nas sombras. Nem sempre são bombásticos
e estridentes. Às vezes, singelos, quase ínfimos, aguardam um olhar acurado,
uma pequena atenção, um exame que se demore alguns segundos mais e lhes
vislumbrem, lhes desvendem, lhes desembrulhem, lhes deem nome. De posse deste,
atenção, começam as revoluções. Viram-se e reviram-se, apropriando-se de si,
desejantes de ganhar a luz, de se fazerem visíveis, palpáveis, palatáveis agora
que se sabem. Quando encontram, finalmente, seu ponto de fuga, saltam aos
olhos, diluem-se, tornam-se aquosos, soluçam-se, escorrem, e só aí podem ser
recolhidos, processados, metabolizados, decodificados, analisados, acolhidos,
examinados, percebidos, sentidos, pensados, sofridos, sangrados, desmembrados,
envasados, renomeados. Perigoso retorno eterno, depois de liquefeitos voltam a
se evaporar. Dolorosa solutio d’alma.
2 comentários:
O texto "Alquimia do segredo" faz parte do romance "Segunda Pedra", publicado pelo selo Edith em 2012, onde assino Sylvia Mello.
Sylvia,
Como esse tema é fundamental na clínica!
grata, bjos Andréa Vistué
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