quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Alquimia do segredo



Sylvia de Mello Baptista

Segredos são como gás tóxico, invisivelmente destrutivos. Entram pelas narinas, invadem brônquios, circulam pelas artérias, depositam-se em fundos, paredes, interstícios. Ali ficam, perigosamente silenciosos. Imóveis, mas ativos. Agentes e reagentes aos movimentos peristálticos. Quando não podem ser contidos, boca serrada, selada com fita adesiva, transparentes deixam-se vazar inadvertidamente pelos orifícios menos nobres, como flatos podres e fétidos, denunciando sua sobrevivência em território tão adverso, espaço diminuto. Não ocupam lugar. Qualquer canto os cabe. Depois de acomodados, aí sim crescem e se expandem, tomam e inundam, competem com líquidos e linfas. Reproduzem-se no escuro; apreciam o breu; aconchegam-se nas sombras. Nem sempre são bombásticos e estridentes. Às vezes, singelos, quase ínfimos, aguardam um olhar acurado, uma pequena atenção, um exame que se demore alguns segundos mais e lhes vislumbrem, lhes desvendem, lhes desembrulhem, lhes deem nome. De posse deste, atenção, começam as revoluções. Viram-se e reviram-se, apropriando-se de si, desejantes de ganhar a luz, de se fazerem visíveis, palpáveis, palatáveis agora que se sabem. Quando encontram, finalmente, seu ponto de fuga, saltam aos olhos, diluem-se, tornam-se aquosos, soluçam-se, escorrem, e só aí podem ser recolhidos, processados, metabolizados, decodificados, analisados, acolhidos, examinados, percebidos, sentidos, pensados, sofridos, sangrados, desmembrados, envasados, renomeados. Perigoso retorno eterno, depois de liquefeitos voltam a se evaporar. Dolorosa solutio d’alma. 

2 comentários:

Sylvia disse...

O texto "Alquimia do segredo" faz parte do romance "Segunda Pedra", publicado pelo selo Edith em 2012, onde assino Sylvia Mello.

Espaço Egrégora disse...

Sylvia,
Como esse tema é fundamental na clínica!
grata, bjos Andréa Vistué