Eliana Atihé, em sua tese de doutorado para a Escola de Educação da USP : Uma
educação da alma: Literatura e imagem arquetípica (2006), tece uma
teia-trama bastante poética e profunda, na qual mescla Atena, Héstia, Afrodite,
Hera, Perséfone, Hécate, Héracles e Perseu, entre outros divinos gregos,
com personagens de Madame Bovary, Decameron e O Morro dos Ventos Uivantes.
Recomendo a leitura de seu trabalho para todos aqueles que cultivam a alma.
Por: Ana Célia Rodrigues de Souza
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-21062007-114845/pt-br.php
NuParq - Núcleo de Psicologia Arquetípica - Grupo de estudos, que, por meio deste blog, apresenta suas imagens, através de ideias, citações, textos (acadêmicos e poéticos); um vaso alquímico para compartilhar e disseminar a Psicologia Arquetípica e o pensamento criativo de James Hillman e colaboradores.Convidamos todos para um passeio NuParq.
segunda-feira, 20 de junho de 2016
terça-feira, 7 de junho de 2016
O homem da colina e eu
Quando o conheci, levei algum tempo para saber se gostei ou não.
Havia algo extremamente atraente na sua forma de colocar as coisas, de ajeitar e desajeitar as ideias, de visualizar o mundo, como se me chamasse para dar uma mirada no panorama já conhecido, só que do alto de uma pedra.
Venha, suba aqui, olhe lá embaixo, está vendo? Agora feche os olhos e imagine. Abra os olhos! Mudou?
Sim, tudo mudou. O chão saiu dos pés e o que eu acreditava tão seguro, desvendado, nomeado e garantido foi virado do avesso. Como um vento que chega e desarruma o cabelo ou faz voar a roupa no varal. A reação no corpo, uma vertigem. Quer dizer que terei que construir novamente, tijolo a tijolo, todo o prédio de conhecimentos que passei anos edificando? Que loucura! Não seria mais fácil deixar o homem falando com os seus e continuar no conforto? Mas quem disse que a alma clama por vida fácil? A alma! Ali todo tempo, na psique. E ele viu! O que, afinal, me atraía naquele homem cuja fala trazia desconcerto e um tanto de angústia? Precisava continuar tentando descobrir.
Uma coisa era imediatamente clara: o seu olhar etimológico para as palavras me encantava. Neste lugar estávamos de mãos dadas.
Sempre amei o modo como mergulhou nos conceitos pela porta das palavras, as separando, dividindo, invertendo partes, buscando raízes, surpreendendo com o óbvio.
Se o estranhamento desconfortante de tirar as coisas do lugar trouxe a perspectiva inicial de um afastamento, a catábase vertical e íngreme no mundo das palavras me puxou como um ímã para perto, ao alcance da pele, do hálito, do pêlo eriçado.
Li “O mito da análise” em 1989, seguido de “Psicologia arquetípica” e outros muitos textos, mas lembro que o homem da colina me ganhou com “O código do ser”. Foi com ele que a imagem da semente do carvalho se plantou em mim com uma potência que imediatamente lançou raízes, me mantendo fincada em seu território.
Lembro-me de ter levado o livro comigo em um feriado e ficar dividida entre torcer para chover, ou para o sol brilhar e puxar todos para fora, para longe de mim, eu já muito bem acompanhada.
Em paralelo a esse encontro, outro trajeto foi se fazendo, no meu caminhar pela Mitologia grega.
A paixão pelos mitos foi se intensificando a cada leitura, discussão e contato com deuses, heróis e seu universo mágico.
Como profissional da psique, fui importando um cenário mítico para a prática clínica e a vontade de aprofundar, escrever, me debruçar sobre temas, fazer conexões só ganhou espaço em mim. Quase sem perceber, trilhava uma passagem que também levava a uma perspectiva nova e instigante; uma sensação semelhante ao peristaltismo vivido nas colinas.
Formulei, juntamente com colegas, a ideia de regências mitológicas no funcionamento tipológico das pessoas e passei a tentar compreender como isso se transformava no meu sangue, no meu olho, na minha saliva, minha respiração.
A leitura de Hillman sempre aconteceu ao longo deste tempo. No entanto... Imagine uma roda, uma dança em roda. Estamos cantando e dançando todos juntos até que a pessoa à minha esquerda sai, mas antes junta a minha mão, que antes segurava, com a mão da pessoa ao seu lado.
Assim foi. Algo orgânico sucedeu no tempo e espaço. Notei que as ideias que lia em seus livros se alimentavam na Grécia antiga; referendava-se sempre aos deuses no plural e com “d” minúsculo; referia-se ao politeísmo, à mitologia como olhar, como atitude.
A mão que eu agora segurava e que acolhia a minha era macia e quente, firme e delicada. O sentido já havia, mas ganhou músculos e cor. Foi um novo encontro, como um segundo casamento, em que se deixa de lado supérfluos e implicâncias de menor relevância para se sorver o essencial. Um segundo casamento com o mesmo parceiro, só que diferente, ainda mais par.
A partir desse momento, ao me ver nos vizinhos campos da mitologia e da psicologia arquetípica compreendi que estava em casa e o desconforto da desconstrução ganhou outra roupagem: o lúdico. Escalar as colinas para ver a paisagem de outro ângulo se transformou em convite a aventura.
O que ele vai aprontar agora?O que vai desembrulhar? Vamos brincar?
Agora ouça:
Hill
Heal
Quando Hillman está por perto, na sua figura irreverente, nas suas perguntas pontudas e colocações traquinas a minha alma se cura, amadurece e sorri.
São Paulo, 07 de outubro de 2015
Sylvia Mello Silva Baptista
Quando o conheci, levei algum tempo para saber se gostei ou não.
Havia algo extremamente atraente na sua forma de colocar as coisas, de ajeitar e desajeitar as ideias, de visualizar o mundo, como se me chamasse para dar uma mirada no panorama já conhecido, só que do alto de uma pedra.
Venha, suba aqui, olhe lá embaixo, está vendo? Agora feche os olhos e imagine. Abra os olhos! Mudou?
Sim, tudo mudou. O chão saiu dos pés e o que eu acreditava tão seguro, desvendado, nomeado e garantido foi virado do avesso. Como um vento que chega e desarruma o cabelo ou faz voar a roupa no varal. A reação no corpo, uma vertigem. Quer dizer que terei que construir novamente, tijolo a tijolo, todo o prédio de conhecimentos que passei anos edificando? Que loucura! Não seria mais fácil deixar o homem falando com os seus e continuar no conforto? Mas quem disse que a alma clama por vida fácil? A alma! Ali todo tempo, na psique. E ele viu! O que, afinal, me atraía naquele homem cuja fala trazia desconcerto e um tanto de angústia? Precisava continuar tentando descobrir.
Uma coisa era imediatamente clara: o seu olhar etimológico para as palavras me encantava. Neste lugar estávamos de mãos dadas.
Sempre amei o modo como mergulhou nos conceitos pela porta das palavras, as separando, dividindo, invertendo partes, buscando raízes, surpreendendo com o óbvio.
Se o estranhamento desconfortante de tirar as coisas do lugar trouxe a perspectiva inicial de um afastamento, a catábase vertical e íngreme no mundo das palavras me puxou como um ímã para perto, ao alcance da pele, do hálito, do pêlo eriçado.
Li “O mito da análise” em 1989, seguido de “Psicologia arquetípica” e outros muitos textos, mas lembro que o homem da colina me ganhou com “O código do ser”. Foi com ele que a imagem da semente do carvalho se plantou em mim com uma potência que imediatamente lançou raízes, me mantendo fincada em seu território.
Lembro-me de ter levado o livro comigo em um feriado e ficar dividida entre torcer para chover, ou para o sol brilhar e puxar todos para fora, para longe de mim, eu já muito bem acompanhada.
Em paralelo a esse encontro, outro trajeto foi se fazendo, no meu caminhar pela Mitologia grega.
A paixão pelos mitos foi se intensificando a cada leitura, discussão e contato com deuses, heróis e seu universo mágico.
Como profissional da psique, fui importando um cenário mítico para a prática clínica e a vontade de aprofundar, escrever, me debruçar sobre temas, fazer conexões só ganhou espaço em mim. Quase sem perceber, trilhava uma passagem que também levava a uma perspectiva nova e instigante; uma sensação semelhante ao peristaltismo vivido nas colinas.
Formulei, juntamente com colegas, a ideia de regências mitológicas no funcionamento tipológico das pessoas e passei a tentar compreender como isso se transformava no meu sangue, no meu olho, na minha saliva, minha respiração.
A leitura de Hillman sempre aconteceu ao longo deste tempo. No entanto... Imagine uma roda, uma dança em roda. Estamos cantando e dançando todos juntos até que a pessoa à minha esquerda sai, mas antes junta a minha mão, que antes segurava, com a mão da pessoa ao seu lado.
Assim foi. Algo orgânico sucedeu no tempo e espaço. Notei que as ideias que lia em seus livros se alimentavam na Grécia antiga; referendava-se sempre aos deuses no plural e com “d” minúsculo; referia-se ao politeísmo, à mitologia como olhar, como atitude.
A mão que eu agora segurava e que acolhia a minha era macia e quente, firme e delicada. O sentido já havia, mas ganhou músculos e cor. Foi um novo encontro, como um segundo casamento, em que se deixa de lado supérfluos e implicâncias de menor relevância para se sorver o essencial. Um segundo casamento com o mesmo parceiro, só que diferente, ainda mais par.
A partir desse momento, ao me ver nos vizinhos campos da mitologia e da psicologia arquetípica compreendi que estava em casa e o desconforto da desconstrução ganhou outra roupagem: o lúdico. Escalar as colinas para ver a paisagem de outro ângulo se transformou em convite a aventura.
O que ele vai aprontar agora?O que vai desembrulhar? Vamos brincar?
Agora ouça:
Hill
Heal
Quando Hillman está por perto, na sua figura irreverente, nas suas perguntas pontudas e colocações traquinas a minha alma se cura, amadurece e sorri.
São Paulo, 07 de outubro de 2015
Sylvia Mello Silva Baptista
Assinar:
Postagens (Atom)