terça-feira, 26 de julho de 2016

...  ( complete esse texto com seu título )


Esses últimos dias estou com uma palavra a perambular acusticamente em mim: “void”. Num primeiro momento creditei essa palavra ao término do livro “beleza e tristeza” do Kawabata que me deixou com uma lacuna, mas que com satisfação “preenchi” para finalizar a narrativa; depois, por conta de um documentário que assisti sobre cineastas japoneses em que a lápide de Ozu não continha nome, datas, somente o ideograma chinês antigo “Mu” que significa “void”, como último desejo do cineasta, que como tal não apreciava narrativas rebuscadas e sim trabalhava o espaço e o cotidiano - “void” de novo; por fim, um TCC que corrigi de uma aluna de artes plásticas, no qual ela fazia um percurso de suas próprias obras e uma delas, que foi baseada em sentimentos opostos, tendo um espaço proposital representado na obra o qual ela nomeou como “vazio”. Não me contentei. As imagens acústicas dessa palavra ecoavam na minha mente, escritas nos lugares, nas pessoas... Ok – disse a mim mesma – Fomos (eu e minha caravana interna) ao dicionário de etimologia, quero saber a raiz, o profundo, o abaixo da terra. Descobri que a palavra “void” vem de “voide” do francês arcaico que se origina do latim “vocitus” (“tornando vazia) que também deriva a palavra “vuoto” (italiano “vácuo”). A palavra “vazio” vem do latim “vacivu” que significa vago. Não me contentei novamente. Li então cada significado da palavra “void”, “vide” e “vazio”, até que encontrei o que estava procurando, um dos múltiplos significados da palavra francesa “vide”: “qui offre des lacunes”. E agora?  Ouvi a voz da minha querida professora de linguística que uma vez disse: “é mais fácil aparar arestas que preencher lacunas”, no caso referindo-se a minha escrita, desde então aprendi a preencher lacunas, como fiz no romance do Kawabata, mas oferecer lacunas?  Imaginei um espaço para uma infinidade (com perdão do pleonasmo) de possibilidades para preencher ou não, transformar  (imagino feito com as mãos em massinha ou argila) ou ainda segurar a angústia do “vazio”. Com esse texto, ofereço lacunas, servidas de preferência com um pinot noir, um vinho poético. 

Por: ReBeKa S.

domingo, 3 de julho de 2016

Heleninha e Hillman

Esse é um pequeno relato de um encontro analítico onde as “permissões” autorizadas por James Hillman favoreceram que ele pudesse acontecer.

Atendendo uma paciente recém mastectomizada, em momento de muita fragilidade, sentindo o impacto da cirurgia e todas as emoções que foram despertando diante do tratamento, qualquer tentativa de elaboração se tornava pesada e difícil.
A única condição que se mostrava possível era o acolhimento e o aguardar. Aguardar o que viesse, o que fosse possível surgir.

E veio... E quem veio foi a Heleninha.

Heleninha entrou no espaço construído na relação terapêutica como a “menina” que precisava chorar, que precisava de colo, que precisava do abraço, do olhar amoroso, da compreensão, da não palavra. E a própria paciente foi quem trouxe a Heleninha, numa consulta onde, ao chegar, me disse “ Hoje quem vai vir para cá é a Heleninha, a coitadinha, a menininha que só quer chorar. Ela é vitima e muito infantil. Por favor, deixe ela ficar aqui até crescer. Sei que ela vai te dar trabalho, te deixar cansada. Mas ela vai crescer. Mas, nesse momento,  ela só quer que cuidem dela, que deixem ela se sentir a coitadinha.”

E assim Heleninha chegou...
Mas está crescendo. Tem chorado menos, conversamos sobre todos seus sonhos, todas as suas vontades de uma vida perfeita. Sua parte “adulta”, muitas vezes, participa desse encontro e diz : “como ela é boba, o mundo não é assim, não funciona dessa forma”. Mas a própria Heleninha responde : “ e dai ? Eu quero sonhar um pouco mais. Me deixe fantasiar. O mundo já foi muito duro comigo. Eu tenho direito de querer colo”.

Dessa forma, Heleninha tem tido espaço para se manifestar. Rimos com ela, damos suavesadvertências nas suas tentativas emnão querer aceitar algumas situações. Mas  está ficando mais fortalecida.

Seu choro é menos sofrido, as risadas aumentaram, trás bolo emimos para si e para sua terapeuta, suas falas estão menos vitimizadas. E já começa a pedir mais firmeza emenos colo.

Obrigado Hillman, vc nos ajudou a sustentar a possibilidade que o acolhimento criativo pode gerar na prática clínica.

Por: Edmea Ganem